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Resgatando a fé em si mesmo

por Giovanna de Boni Fraga - CRP 07/29470


Queer Eye é uma série americana original da Netflix. É um reboot da versão original de mesmo nome, apresentado agora por um novo quinteto fantástico: Antoni Porowski, especialista em comida e vinho; Bobby Berk, especialista em decoração; Jonathan Van Ness, especialista em cuidados pessoais; Karamo Brown, especialista em cultura; e Tan France, especialista em moda. Na série, eles contam diversas histórias sobre o mais diferente tipo de pessoa. Cada narrativa é única, particular e comovente do seu modo para nos fazer repensar sobre nossas atitudes, crenças e comportamentos diante da sociedade em que vivemos.

Às vezes acreditamos que somos desconstruídos o suficiente para entendermos sobre as pautas LGBTQIA+, sobre a luta contra o racismo, sobre os desafios do feminismo, mas temos de entender que nem sempre sabemos tudo, pois sempre há um detalhe de que nem fazemos ideia. E hoje vou contar a história de Noah Hepler, um pastor de meia-idade em uma pequena igreja da Filadélfia que se assumiu gay mais tarde na vida.

Parece surreal um pastor homossexual por conta de tudo que já ouvimos falar da igreja por todos esses anos sobre preconceito relacionados a comunidade LGBTQIA+, mas de fato é verdade. Noah cresceu em uma comunidade religiosa Batista muito homofóbica e fundamentalista. Ensinaram a ele que a comunidade queer era errada e que iriam para o inferno. Quando se tornou jovem, no seminário, ele conheceu uma mulher que veio a se tornar sua esposa anos depois. Para Noah foi muito importante esse relacionamento, pois segundo ele próprio, era a única opção real e aceitável. Por ser uma pessoa bastante compreensível, ela foi a primeira pessoa para quem Noah se assumiu gay. Depois que se divorciou, ele resolveu se mudar para a Filadélfia para viver algo diferente, com um novo capítulo em sua vida. Noah busca por confiança para liderar sua igreja, assim como um novo amor para compartilhar suas conquistas. Por ser um homem tímido, acabava por se acanhar demais, e não passava tanta confiança. O pessoal da igreja, quando foi questionado no que Noah precisava de ajuda, uma das mulheres que estava ali disse que ele precisa escolher músicas melhores sobre Jesus, e outra, completou dizendo que seria interessante ser mais extrovertido. Talvez, o que faltasse em Noah fosse um pouco mais de confiança e firmeza nas suas palavras, pois a delicadeza e gentileza não faltava.

Os Fav 5 - como chamam os cinco fabulosos que auxiliam as pessoas a mudarem suas vidas - apresentaram a Noah outros pastores com experiências semelhantes a sua, o que fez com que percebesse que não estava sozinho. Um deles, até o seguia nas redes sociais, e o achava consciente e dedicado, agradeceu a Noah pelo trabalho que fazia. E o outro mostrou a ele que todos os pastores têm dificuldades, mesmo que pareçam bem no Facebook, que ele não está sozinho, e o entregou um presente importante na sua caminhada. Os Fav 5 mudaram também a aparência da igreja, dando um novo ar de acolhimento, com cores vivas, vitrais brilhantes e luz natural. Além do mais, cada um deles, auxiliou Noah como deveria aproveitar seu potencial para se tornar um líder na sua comunidade. Por exemplo: Antoni, promoveu um espaço para que eles pudessem cozinhar, conversar e divulgar sobre o aniversário da igreja. Tan, mudou seu guarda roupa de bermudas cargo para roupas mais casuais e estilosas. Bobby, modificou o que era possível na igreja, e também, o lugar em que ele podia chamar de ‘’lar provisório’’, enquanto sua verdadeira casa passava por uma longa reforma. Karamo, foi quem trouxe os pastores para trazer um novo olhar ao pastor sobre o que era liderar uma igreja. Jonathan transformou o visual de Noah, fazendo-o parecer mais jovem e feliz.

Noah precisou esquecer o seu passado de dor e sofrimento, para assim, conseguir ter fé em si mesmo. Os problemas que ele vivenciava na época, e o motivo do porque não estava experienciando o presente ou futuro que desejava era por conta do seu passado traumático. Em toda a vida de Noah, ele se sentiu um impostor, pois evitava dizer que era gay, por causa da falta de aceitação da igreja, e isso, fazia com que ele se sentisse preso pelo seu passado. Ele sentia também que não conseguia ser o líder da igreja que poderia ser. Noah ficava revivendo um roteiro negativo sobre si mesmo, na sua cabeça, pois, segundo ele, não havia participado da história geral da comunidade queer, e isso foi algo que nunca superou. Noah percebeu que o tempo para cada pessoa é diferente, quando estava conversando com seus colegas pastores sobre um menino da sua igreja que ele esperava que fosse se assumir no exato momento em que o viu, mas demorou cerca de um ano para o garoto conseguir. Então, um dos pastores comentou ''você diria a esse garoto que ele deveria ter se assumido antes?’’; Noah então respondeu que não; o pastor complementou dizendo ‘’então por que diz isso a si mesmo, filho de Deus?’’; Noah ficou emocionado, pois era exatamente o que precisava ouvir há anos.

Viver em sociedade não é fácil. Todos os dias ouvimos casos na televisão e/ou internet sobre algum ato homofóbico, racista e/ou preconceituoso. Queremos ser aceitos, só que nem todo mundo nos aceita do jeito que somos. Isso faz com que muitas vezes tentássemos nos encaixar em um padrão que é totalmente contra aquilo que acreditamos, pois queremos a todo custo estarmos no que a sociedade impõe como o caminho certo. E machuca porque quando dizemos sim aos outros querendo que nos respeitem, acabamos por nos desrespeitarmos. Além do mais, pode acontecer de não nos darmos conta da nossa própria orientação sexual, pois nunca fomos ensinados sobre. Isso faz com que tenhamos de nos encaixar na heterossexualidade ou homossexualidade de uma vez, pois a sociedade precisa nos enquadrar logo. Contudo, existem outras orientações também um pouco menos conhecidas que talvez nem façamos ideia das suas existências. A sigla LGBTQIA+ significa que ela abrange toda uma comunidade: lésbica, gay, bissexual, transexual, queer, intersexual, assexual, e o + engloba todas as outras letras, assim como o P de pansexual.

A história de Noah é muito semelhante à de muitas pessoas que se descobrem LGBTQIA+, independente de ser jovem ou não, pois o fato é parece haver uma pressão da sociedade para se assumir, sendo que não há essa mesma pressão sobre a comunidade heterossexual. O que é algo para se refletir, afinal de contas, como falado anteriormente, existem diversas orientações sexuais, então não deveria ser preciso se declarar já que a heterossexualidade não é única e exclusiva. Hoje há muito mais aceitação do que antes, mas ainda a sociedade está engatinhando lentamente para quem sabe um dia não ser preciso se assumir, nem nada.

A orientação sexual ajuda as pessoas a perceberem que não há nada de errado com elas, e que não estão sozinhas. Contudo, não existe "tempo" para se descobrir, para se assumir, esse processo acontece diariamente. Não há erro e nem hora perfeita para se encontrar. Não existe nenhum erro quando se trata de amor.


Giovanna de Boni Fraga é escritora e psicóloga, formada pela PUCRS. Idealizadora do Projeto Relatos Porta Adentro, com o intuito de trazer leveza ao tempo de quarentena. Através do autoconhecimento ajuda pessoas a se conectarem com a sua criatividade.


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