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He-Man – Pensando sobre o que significa ser homem

Por Andrey da Silva Aires (CRP 07/33087)



He-Man e os Mestres do Universo foi criado pela empresa Mattel em 1980 e lançada em 1982 como um brinquedo que pudesse competir com a popularidade das mercadorias de Star Wars no mercado voltado às crianças. Inicialmente, a linha de brinquedos do herói vinha com pequenas histórias em quadrinhos que apresentavam o universo do personagem, até que em 1983 a produtora Filmation resolveu lançar uma versão animada da linha de brinquedos, fazendo um imenso sucesso entre as crianças da época, especialmente os meninos.


O desenho começou a ser exibido no Brasil em 1984 e pouco tempo depois já era considerado um sucesso. Diversos tipos de produtos, como bonecos e espadas, foram produzidos tendo como público alvo as crianças do sexo masculino. He-Man conta a história do Príncipe Adam de Eternia, que ao lado de seus aliados, Os Mestres do Universo, combatem as forças do mal lideradas pelo Esqueleto, que buscam dominar o Castelo de Greyskull, e em seguida, o universo.

       

Com o passar dos anos, a figura de He-Man passou a fazer parte da cultura brasileira, pois, muitas gerações de crianças cresceram vendo as histórias do bem contra o mal que ele protagonizava. Com o passar do tempo, ele evoluiu além de seu papel como personagem infantil e tornou-se um ícone masculino. Sua figura enquanto transformado no poderoso He-Man, o defensor de Eternia, era a de um homem extremamente musculoso e alto que usava seus poderes para derrotar os vilões e impedir seus planos malignos.

        

Desde sua criação nos anos 80, o mundo passou por transformações que mudaram a forma pela qual personagens de desenho são percebidos pelo público, e conforme a sociedade mudava, transformava-se também o ideal de homem no imaginário das pessoas. Muitas críticas foram sendo estabelecidas ao personagem, dos ideais físicos irreais até a influência que suas roupas, uma sunga peluda e um colete, teriam na sexualidade das crianças.

        

Essa última em especial, tornou-se um grande passo na luta LGBTQIA+ contra o preconceito. He-Man era visto como um homem gay e ícone da cultura pop tanto pela forma que se vestia quanto pelas cores de suas roupas. Porém, a questão física era muito marcante no personagem, afinal se parecer com o He-Man não é fácil. Mas será esse o caso? Será assim tão difícil sermos parecidos com ele?

        

Em termos gerais, quando pensamos em masculinidade, tanto a hétero quanto a homoafetiva, precisamos considerar os avanços nos direitos das mulheres, conquistados pelo movimento feminista. Antigamente, ser homem era uma definição pouco questionada socialmente, afinal, seu papel era quase exclusivamente, o de provedor da casa, com pouco ou nenhum envolvimento afetivo emocional de carinho com relação aos filhos, podendo, às vezes, fazer o trabalho de disciplinador punitivo.


        

A maior participação das mulheres no mercado de trabalho, o maior envolvimento masculino com a criação das crianças e a compreensão que pessoas de orientação homoafetiva também podem se considerar homens assim como os héteros. Essas entre tantas outras mudanças sociais, nos forçam a pensar: afinal, há algo intrinsecamente masculino?

        

Com esses questionamentos em mente, voltamos ao que era exibido nos desenhos do He-Man. Ele era, até onde se podia perceber em um desenho infantil, um homem hétero, que usava roupas coloridas (um colete rosa-claro e calças roxas) diferente dos outros homens da série, que usavam verde, vermelho e azul, cores muito mais “masculinas”.

        

Uma característica tipicamente associada a feminilidade apresentada por He-

Man era saber quando deveria se mostrar vulnerável. Nos momentos em que era o

príncipe Adam, ele demonstrava medo e dúvida, e esta era uma de suas maiores

qualidades, afinal é preciso muita coragem para compartilhar seus sentimentos. Outras

qualidades que ele exibia em praticamente todos os episódios, era saber aprender com

seus erros, ouvir aquilo que os outros tinham para lhe dizer, e saber quando deixar de

lado suas desavenças pessoais por um objetivo maior.

        

Todas essas qualidades eram transmitidas para as crianças através de pequenos trechos que sumarizam a “moral do episódio” no final de cada capítulo. Os questionamentos levantados pelas pessoas sobre que tipo de homens estamos aprendendo a ser e que tipo de homens ensinamos às crianças a serem é muito importante, já que esse é o tipo de diálogo que costuma promover mudanças.

        

Em anos mais recentes, homens também têm aprendido a apreciar tratamentos que antes eram tipicamente femininos, como idas ao barbeiro que incluem mais “mimos” e vão além de apenas receber um serviço e deixar o local, produtos de beleza como cremes para o rosto específicos para o público masculino. Isso tudo, além do desenvolvimento de políticas públicas e sociais que visam a saúde física e mental do homem, assim como mudanças menos óbvias, mas muito importantes, como a compreensão que homens também choram.

        

A pergunta feita anteriormente se mantém, e agora ganha importância, pois, já que tantos espaços tipicamente masculinos ou femininos, agora existem para ambos, ainda há algo, seja um papel, espaço ou função, que seja única e exclusivamente pertencente ao homem? Se considerarmos as ações de He-Man, que na época podiam ser vistas como transgressoras mas que hoje fazem tanto sentido, proponho trocar a pergunta para: o que significa masculinidade para mim?


Novamente se considerarmos as ações de He-Man, ele traz a ideia de que um homem é aquele capaz de integrar aspectos tradicionalmente femininos com aspectos tradicionalmente masculinos alcançando uma definição mais ampla de masculinidade. Ao se tornar sua versão poderosa, He-Man não deixa de ser o sensível, gentil e adorável príncipe Adam, mas percebe que para cumprir seus objetivos, ele deve assumir seu aspecto mais duro e assertivo, que naquele momento, é mais indicado para resolver sua situação. Combinando de forma equilibrada suas qualidades de príncipe Adam com suas qualidades de “O cara”.


Depois que a necessidade acabava, He-Man novamente tornava-se Adam, pois, sabia que em seu cotidiano, aquelas eram as qualidades mais adequadas para sua vida. He-Man, que podemos traduzir livremente para o português como “O Cara”, era um meio de o príncipe expressar sua grandeza interna, e a “força” que ele dizia adquirir ao se tornar He-Man vai além da montanha de músculos do personagem, afinal, Adam também era fisicamente um homem possante.

       

  A transformação do personagem pode ser interpretada como a expressão da junção entre o masculino e o feminino, entre os lados gentil e poderoso, em alguém que era ao mesmo tempo, Adam e He-Man, assumindo assim uma expressão de masculinidade que não poderia ser alcançada caso ele negasse esses outros aspectos de sua pessoa. Integrar esses nossos lados é desafiador, pois, exige que deixemos normas e padrões com os quais crescemos e talvez nos identificamos, de lado.

      

He-Man era um desenho animado sobre um homem que assumia a forma máxima de sua masculinidade ao aceitar que também possuía características femininas, e que essas o faziam mais incrível, ao invés de menos. Essa lição estava no centro de todas as outras pequenas lições exibidas no fim de cada episódio, e enquanto as crianças possivelmente não se dariam conta disso enquanto assistiam em sua infância, não é ruim que elas percebam que todos podemos desenvolver as características que ambos, Adam e He-Man demonstravam, e que eles também poderiam se transformar em mestres do universo. 





Andrey da Silva Aires (CRP 07/33087) é psicólogo clínico de indivíduos, famílias e casais, e criador da página Andrey Aires Psicologia no Instagram e Facebook onde desenvolve

um trabalho focado em abordar conceitos da psicologia de um jeito simples, muitas

vezes usando a cultura pop como paralelo para nossa vida.

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