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Close Enough - Parentalidade e Modernidade

Por Leo Strack

Se algum dia a vida já foi uma receita de bolo, hoje ela está mais para um episódio de Master Chef. Em "Close Enough" acompanhamos a vida de Josh e Emily enquanto eles tentam: cuidar da filha Candice, ser bem sucedidos no trabalho, ter momentos de lazer, administrar uma vida social e, mais importante de tudo, continuarem sendo jovens e "cool".


Durante os 23 minutos de cada episódio temos duas histórias curtas que, de forma engraçada, abordam os dilemas da parentalidade nos tempos modernos. Os temas variam de ideais de família que jamais serão alcançados, memórias de infância e adolescencia a serem revividas (ou deixadas para trás), até preocupações com o desempenho escolar da filha. Mas enfim, porque temos a sensação de que a vida deixou de ser a receita de bolo que escutamos dos nossos pais e passou a ser esse Master Chef onde Gordon Ramsey grita nos nossos ouvidos enquanto a panela pega fogo?


Se em uma receita de bolo temos etapas claras e definidas, possibilitando que façamos uma coisa de cada vez; hoje isso não é mais possível. A situação econômica exige que ambos os cuidadores assumam uma jornada de trabalho na maioria das famílias. O tempo e o custo do estudo e qualificação cresceu de tal forma que o ensino superior passou de luxo para necessidade, popularizando financiamentos e com eles as dívidas que se estendem por toda uma vida. Dessa forma é comum encontrarmos adultos jovens que, biologicamente falando, estão prontos para constituir um núcleo familiar e exercer sua independência e autonomia como indivíduos; mas que, em contrapartida, não passaram por todas as etapas necessárias de educação para uma inserção no mercado de trabalho e obtenção da tão desejada independência financeira.


Talvez você esteja pensando “Ah! Mas isso porque tu não quer trabalhar em um mercado ou no telemarketing. Quem quer dá um jeito!”. É verdade, quem quer dá um jeito, entretanto optar por iniciar uma vida de trabalho cedo acaba sendo um grande limitador do quanto se poderá atingir no futuro. Fazer uma carreira em uma empresa, começando do chão de fábrica e subindo até um cargo de liderança não é mais uma possibilidade. Quem chega no topo da pirâmide não é quem construiu a base, mas sim quem teve recursos suficientes para chegar quando a obra já estava na metade. Recursos esses que podem ser resumidos a duas coisas: tempo e dinheiro. Estudar e se qualificar leva tempo, e sobreviver custa dinheiro.


A analogia da receita de bolo com o programa de televisão representa a sensação de impotência em relação à passagem do tempo. É possível se planejar e tentar otimizar escolhas, mas o tempo não está sob nosso controle. Os anos passam e não há nada que se possa fazer quanto a isso. Trocar de curso depois de dois anos? Isso vai atrasar o seu primeiro apartamento. Trabalhar durante a faculdade? Legal, mas vai acabar se formando bem mais tarde. Uma gravidez não planejada? Melhor criar uma estrutura para essa criança mesmo que isso signifique abandonar planos de longo prazo. Todos estes pequenos atrasos criam uma distância ainda maior entre o término do processo de formação do Eu e a autonomia e independência financeira e social. Criando um momento da vida onde, pesar de ter sua independência de caráter, o adulto jovem ainda se vê impedido de exercê-la devido ao contexto social e econômico.


Assim como em um episódio de Master Chef os candidatos a adultez devem se virar em um tempo limitado. Se você deixou pra fazer a cobertura depois e não deu tempo: que pena. Se você tentou fazer tudo ao mesmo tempo e o bolo queimou: que pena. Se você deu azar e o forno pegou COVID, quero dizer, explodiu: que pena. Se você conseguiu fazer a massa, a cobertura e finalizar o bolo com maestria: parabéns! Mas a sua tia ainda vai perguntar "e os namoradinhos?" na festa de final de ano.


O adulto jovem tem claro para si que neste show as chances de ganhar são muito pequenas e os resultados manipulados. Se mesmo assim você ganhar, foi porque deixou uma área da vida de lado. Mas o que fazer? Qual a solução? Além de tudo ainda precisaremos mudar o mundo? Viver tem se tornado um grande desafio de controle do estresse. Não é à toa que transtornos mentais como depressão e ansiedade são mais comuns que saneamento básico em país de terceiro mundo! Mas não é à toa que a série é uma comédia e não um drama. Apesar de muito da vida não estar sob nosso controle a experiência que temos dela está. Se não deu pra nascer bonito, ser bem sucedido profissionalmente, ter um relacionamento de filme do Richard Gere e ainda ter tempo pra ter um hobbie: tudo bem. Um olhar mais cômico e descontraído pode ser a chave para encontrar momentos de bem estar nesta cozinha dos infernos. Afinal de contas, não é como se a gente fosse sair vivo dessa mesmo…



Léo Hemann Strack. Estudante de psicologia, motociclista e ser humano nas horas vagas.

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