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MINDHUNTER: O Criminal Profiling e a Ciência Psicológica

por Josiane da Silva Becker, CRP 07/30390


Mindhunter é uma série produzida pela Netflix que estreiou em 2017 e foi baseada no livro Mindhunter: O primeiro caçador de serial killers americano, escrito pelo agente do FBI aposentado John Douglas com a colaboração do escritor Mark Olshaker. O livro narra a experiência real do agente Douglas na Unidade de Ciência comportamental e como passou a entrevistar assassinos com objetivo de enriquecer a técnica do perfil criminal ao armazenar dados colhidos diretamente com os criminosos.


John Douglas é um dos primeiros perfiladores criminais nos Estados Unidos. Depois de ter servido a força aérea, ele trabalhou para o FBI em 1970 e em 1977 foi transferido para a Unidade de Ciência comportamental, onde trabalhou para ampliar o conhecimento sobre diversos tipos de criminosos. Para isto, ele viajou pelos Estados Unidos entrevistando assassinos em série, agressores sexuais violentos e assassinos diversos, incluindo famosos criminosos como David Berkowitx, Ted Bundy, John Wayne Gacy e Charles Manson.



Holden Ford, Dra. Anna Torv e Bill Tench em cena de Mindhunter.

Na série Mindhunter, John Douglas aparece como Holden Ford e é acompanhado pelo agente Bill Tench e pela Dra. Anna Torv. Ambos também tem seus nomes reais trocados na série, o agente Tench na verdade se chamava Robert K. Ressler, um agente do FBI que atuamente é conhecido como aquele que criou o termo serial killer; a Dra Ana Torv é na verdade a psicóloga Ann Wolbert Burgess, conhecida no meio acadêmico por estudar impactos do trauma e abuso em vítimas de assassinos, estupradores em série e sequestradores. Ela trabalhou junto a Unidade de Ciência comportamental durante grande parte da carreira. Juntos, estes três personagens realizaram diversas pesquisas e artigos que contribuíram para o aperfeiçoamento dos perfis criminais.

John Douglas, Ann Wolbert Burgess e Robert Ressler

John Douglas também serviu de inspiração para o agente Jack Crawford do filme/livro Dragão vermelho e seus conhecimentos sobre perfis criminais e a capacidade investigativa decorrente deles serviu de inspiração para o livro/filme Silêncio dos Inocentes. Mas o que é afinal um perfil criminal? Qual seu uso atual e sua relação com a psicologia?


O criminal profiling, ou traduzido, perfilamento criminal, refere-se à aplicação das concepções da Psicologia na investigação criminal, dentro do domínio da psicologia forense (Wrighsman, 2001). Consiste numa competência pluridisciplinar que conta com a participação das seguintes áreas: a criminologia, a psicologia, a psiquiatria, a criminalística e qualquer outra ciência humana necessária na investigação criminal (CORREIA, LUCAS, LAMIA, 2007)


A técnica objetiva identificar atributos específicos de um agressor que comete um tipo particular de crime e é realizada através de um processo de observação sistemática auxiliada pela análise da cena do crime, da vítima, da evidência forense e dos fatos já conhecidos sobre o ato criminoso. (MALLOCO, 2014).


O FBI foi pioneiro em sistematizar o perfilamento criminal como uma técnica, primeiro com os trabalhos do agente Howard Teten no inicio dos anos 70 e posteriormente com os personagens que são retratados em Mindhunter. As entrevistas realizadas por Douglas e Ressler tiveram como objetivo criar tipologias de agressores em uma base de dados que foram baseadas no que estes criminosos contavam sobre suas histórias de vida, motivações e modus operandi (modo de operar do criminoso), sendo estas entrevistas acrescentadas de dados encontrados pela polícia nos casos a base para a construção de muitos perfis de criminosos violentos. (MALLOCO,2014)


A técnica de perfilamento criminal desenvolvida pelo FBI se foca principalmente nos resquícios físicos e comportamentais deixados na cena do crime, assim como em informações advindas do estudo da vitimologia, geografia do crime, características atribuídas ao criminoso, relatórios forenses e policiais, estudo de suas tipologias e a compreensão dos investigadores ao analisar o crime reunindo todas informações citadas. (LOUREIRO,2008)


É importante destacar que este tipo de técnica de perfilamento conta bastante com a capacidade individual daquele que está fazendo o perfil, sua experiência em investigação e a consulta a um banco de dados que assume de certa forma que criminosos com características semelhantes sempre se comportarão de forma semelhante. Esta abordagem recebeu diversas críticas ao longo da história por sua falta de comprovação cientifica e por contar demais apenas com o conhecimento prévio do profiler e até sua intuição.


Atualmente, o profiling vem se aperfeiçoando e o psicólogo inglês David Canter fundou sua técnica de perfilamento chamada Psicologia Investigativa que se opõe em partes à abordagem do FBI, afirmando que a base de dados desenvolvida através de entrevistas com criminosos não tem validade científica, pois os mesmos poderiam estar mentindo ou manipulando seus dados, também ressalta que o perfil desenvolvido pelos agentes do FBI está baseado mais em deduções sobre o crime do que em teorias empiricamente comprovadas (CANTER, 2000; KOCSIS, COOKSEY, 2002; LOUREIRO, 2008).

David Canter e alguns de seus livros

O profiling utilizado na psicologia investigativa de Canter conta com o uso de teorias psicodinâmicas, teorias da personalidade, narrativas interpessoais, fatores geográficos e socioeconômicos a fim de inferir características dos indivíduos responsáveis por atos criminais (CANTER, 2000). Embora tenha os mesmos objetivos do tipo de profiling criado pelo FBI, a psicologia investigativa de Canter baseia-se primeiramente em pesquisas empíricas acerca de características e tipologias para analisar as características apresentadas pelos criminosos (HONDERS, 2017). Diversos trabalhos relacionados a tipologias e generalizações de comportamento realizados pelo FBI foram refutados pelas pesquisas de Canter.


A técnica de perfilamento desenvolvida por David Canter se aproxima mais de teorias psicológicas e busca uma maior aproximação com a ciência, sendo mais aceita ultimamente como técnica de investigação, deixando cada vez mais de lado o perfilamento criado pelo FBI, apesar deste ser muito vivo no imaginário popular e perpetuado pelas séries e filmes.


O perfilamento criminal ainda é uma técnica nova em termos de pesquisa e que precisa ser aprimorada. Já demonstrou bons resultados algumas investigações, mas sua real eficácia ainda é bastante controversa, sendo necessário mais estudos sobre o assunto, assinalando aí um campo de trabalho e pesquisa bastante amplo e rico para a Psicologia. Nos Estados Unidos, a colaboração entre psicólogos e o FBI é crescente e tem contribuído para uma evolução nas técnicas de perfilamento e auxiliado nas investigações criminais.


Josiane da Silva Becker é psicóloga, CRP 07/30390, cursa pós graduação em Psicologia Forense e em Psicodiagnóstico. Atende em consultório particular em Porto Alegre/RS fornecendo serviços de psicoterapia, psicodiagnóstico, avaliação e perícia psicológica. Acompanhe seu trabalho pelo facebook https://www.facebook.com/Psicóloga-Josiane-da-Silva-Becker-1500570423406596/






 

FONTES:

CANTER, David V. Offender profiling and criminal differentiation. Legal and Criminological Psychology, vol.5, 2000. pp.23-46

CORREIA, Elisabete; LUCAS, Suzana; LAMIA, Alicia. Profiling: uma técnica auxiliar de investigação criminal. Análise Psicológica, 2007, vol 4, p.595-601.

KOCSIS, Richard; IRVIN, Harvey; COOKSEY, Ray. Psychological profiling of sexual murders: an empirical model. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, Nov 2002, p.532-553.

MALOCCO, David. Criminal Profiling: a basic introduction. Kindle Edition, 2014.

LOUREIRO, Ana. Estudo exploratório para a definição de uma tipologia do comportamento criminal no Homicídio. Tese (Mestrado em psicologia social e das organizações) - Departamento de Psicologia Social e das organizações, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 2008.

https://www.telegraph.co.uk/on-demand/0/real-mindhunter-inside-head-fbi-serial-killer-whisperer-john/

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